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O Estado que funciona

Organizações sociais representam um grande avanço na gestão pública brasileira

Publicado pelo jornal Valor Econômico


Diante da constante demanda por mais e melhores serviços públicos, é oportuno avaliar uma das mais importantes consequências do Plano Diretor da Reforma do Estado, concebido em 1995, pelo então ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira.

O Estado passa a financiar esses setores, transferindo recursos mediante um contrato de gestão, orientado pela conquista de resultados. Trata-se de estabelecer uma parceria entre Estado e sociedade, ampliando a participação da sociedade a partir do controle social, por meio de conselhos de administração amplos e representativos. Por outro lado, o modelo implica na possibilidade de obter recursos adicionais a essas atividades, oriundos de fontes não governamentais. A transparência se estabelece como pressuposto dessa nova modalidade.

Desde o momento da publicação da lei 9637/98, o modelo se disseminou entre os entes da federação: hoje 20 estados adotam a figura das OSs no campo da saúde; no Estado de São Paulo, mais de 1000 equipamentos são gerenciados por OSs, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, mais de 100. Nesse campo atuam mais de 150 OSs, administrando principalmente hospitais. Uma avaliação dos melhores hospitais públicos do país indicou que, dos 40 primeiros, 35 são gerenciados por OSs. As OSs de saúde são responsáveis por 44% dos serviços prestados pelo governo do Estado de São Paulo e mais da metade dos serviços prestados por parceiros no município de São Paulo.

No campo da cultura, o modelo tem sido adotado com sucesso, tendo colaborado intensamente para a institucionalização e formalização desse setor. Esse é um campo em que é possível a captação de recursos na sociedade; a título de exemplo, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), cujas receitas, em 2006, provinham em 70% do contrato de gestão, passaram a somente depender dessa mesma fonte em aproximadamente 40%, a partir de 2016. Ainda no Estado de São Paulo tem se assistido a uma admirável ampliação e descentralização dos serviços no campo da cultura, tendo em vista que as OSs possuem uma capilaridade dificilmente alcançável pelas estruturas estatais. As OSs de Cultura se expandiram no país – como o “Dragão do Mar”, do Ceará- de sorte que os melhores programas e melhores equipamentos são gerenciados por elas. Esse modelo permitiu também a profissionalização do campo e estimula o trabalho em rede.

Há que se destacar igualmente contribuição das OSs na ciência e tecnologia; esse é um campo em que o nível federal está mais presente e no qual há notáveis conquistas, representadas, por exemplo, pela obtenção da medalha Fields (equivalente ao Nobel nessa área) por Artur Ávila, integrante do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), ou pelo CNPEM, que detém o maior equipamento científico do hemisfério Sul, o acelerador Sirius. O modelo OS também permite que o Impa realize a Olimpíada de Matemática, envolvendo 22,6 milhões de alunos em praticamente todos os municípios do país.

Alguns Estados, como Pernambuco, também vêm se utilizando do modelo para iniciativas no campo da ciência e tecnologia, como o “Porto Digital”. Situado no centro de Recife, congrega hoje 415 empresas, 18.000 empregos, teve um faturamento, em 2023, de mais de R$ 5 bilhões. Iniciativa semelhante, desenvolvida dentro da administração direta, logrou criar somente 13 empresas no mesmo período. A efetividade das OSs justificou sua adoção na criação recente do “Centro de Bionegócios da Amazônia”, na atual gestão Lula.

Em que pese os avanços que as OSs têm proporcionado, sua implementação não é livre de problemas. Uma avaliação de 2022 destacou importantes pendências: falta de compromisso orçamentário por parte dos governos; lentidão ou falta de rigor no processo de escolha das organizações; desconhecimento e resistência da burocracia; falta de padronização para avaliação; controles internos e externo inadequados, avaliando-as como se estivessem sob o quadro jurídico estatal. Nem sempre os tribunais de contas entendem completamente a natureza das OSs.

Em recente encontro, promovido pela FGV-EAESP, dirigentes de importantes organizações sociais, representantes de tribunais de contas, dirigentes do Executivo Federal e executivos estaduais, juristas e especialistas – além do próprio ex-ministro Bresser-Pereira – examinaram a experiência dos últimos 25 anos.

Em síntese, os experientes painelistas destacaram que ainda há obstáculos a superar: a fragilidade da administração direta em elaborar, planejar e monitorar os contratos de gestão; a falta de responsabilização do contratante, permitindo que os desembolsos fiquem sujeitos à “disponibilidade orçamentária”; lideranças incapazes, seja do lado do Estado, seja do lado das organizações; a incompreensão, por parte do poder público, de que se trata de uma parceria e não privatização, terceirização ou prestação de serviço contratado.

Por outro lado, apontaram que as OSs têm demonstrado ser uma ferramenta altamente efetiva para projetos especiais, que necessitam uma visão de longo prazo. Do ponto de vista legal, a OS tem a vantagem de poder ser adaptada pelos entes e pelos setores. Traz também grandes ganhos de aprendizado para os governos, que podem aplicar essas lições em seus equipamentos estatais.

Há aperfeiçoamentos que poderiam ser adotados, como um fundo garantidor, que daria segurança jurídica e garantias orçamentárias às organizações contratadas.

A melhoria da gestão pública é uma construção: envolve um entendimento comum, da sociedade, dos diferentes segmentos do Estado, da classe política e a qualificação desses múltiplos atores. Os ganhos de eficiência e efetividade derivam de um conjunto de estratégias. A escolha de corretos modelos organizacionais se mostrou ser uma delas, e das mais relevantes. As OSs representam um grande avanço na gestão pública brasileira. A entrega de mais e melhores serviços aos cidadãos exige a ousadia da experimentação.

Pedro Wongtschowski é conselheiro de empresas privadas e da Fapesp, IMPA, FNDCT, Embrapii. Preside o Conselho de Inovação e Competitividade da Fiesp

Regina Pacheco é professora e pesquisadora de gestão pública da FGV- EAESP

Evelyn Levy é especialista em gestão pública e consultora de organismos internacionais

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