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Artigo: “Nova administração nos hospitais públicos” – Renilson Rehem

O desafio de implantar no Brasil um sistema de saúde com caráter universal não se encerra nas dificuldades do financiamento nem na necessidade de mudar o modelo para atender integralmente à população. As questões de gestão também têm se mostrado de enorme complexidade, e as soluções ainda se encontram num patamar muito inferior ao desejável.

São grandes as dificuldades da administração pública direta no Brasil para gerenciar o setor de saúde. Os empecilhos decorrem, entre outros fatores, dos princípios explícitos na Constituição Federal de 1988: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Não consta, dentre eles, a eficácia. A eficiência consiste em fazer certo as coisas; já a eficácia, em fazer as coisas certas. A eficiência está associada a processos, enquanto a eficácia, a resultados.

A Constituição não deu ênfase ao impacto da gestão. Por outro lado, considerou como um dos seus mais relevantes pilares o princípio de que o administrador público só pode fazer o que a lei autoriza. Dizia o jurista e professor Hely Lopes Meirelles: “Na administração pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto nas empresas privadas é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, no governo só é permitido fazer o que a lei autoriza”.

É cada vez mais comum que atos administrativos dos mais diversos sejam praticados tendo como “motivo oculto” o medo sentido pelo agente das consequências decorrentes de suas ações. Esse quadro cria obstáculos para que o gestor público possa executar a contento as suas tarefas e resulta no comprometimento da qualidade dos serviços públicos na área da saúde. A administração torna-se engessada pelas rígidas regras para aquisição de materiais e medicamentos e para a contratação de recursos humanos.

A conjuntura atual de grave crise econômica que o país atravessa torna a situação ainda mais complexa. A falta de gestão qualificada é acentuada pelos problemas decorrentes de um financiamento, mais do que nunca insuficiente e instável. Quando há fartura de recursos, a pressão sobre a gestão é muito menor.

Conseguir êxito no enfrentamento de tantas dificuldades requer a profissionalização da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). É imperiosa e inadiável a adoção de modelos alternativos de gerência das unidades de saúde, principalmente dos hospitais, que possibilitem mais agilidade em administração de recursos humanos, especialmente médicos; aquisição de materiais e medicamentos; e contratação de serviços.

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

De forma a elevar o desempenho dos hospitais públicos, a Lei Federal n.º 9.637, de 15 de maio de 1998, criou a possibilidade de celebração de parcerias na área de saúde com organizações sociais (OS). Desde então, no estado de São Paulo, as OS vêm assumindo a administração dos serviços em hospitais como os de Bauru, Carapicuíba, Cotia, Diadema, Francisco Morato, Franco da Rocha, Guarulhos, Taubaté, Itapecerica, Itapevi, Pirajuçara, Porto Primavera, Ribeirão Preto, Sapopemba, Sumaré, Vale do Paraíba e Vale do Ribeira. Esse modelo expande-se também a outros estados, como Goiás, Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio de Janeiro, além do Distrito Federal.

No entanto, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF) questionou a referida lei. Em 2001, o STF indeferiu o pedido de liminar, por meio do qual se pretendia a suspensão imediata dos efeitos da lei, e deu início à análise do mérito da ação.

Em abril de 2015, o plenário do STF julgou a ADIN decidindo pela validade da prestação de serviços públicos por OS em parceria com o poder público. Reiterou, contudo, que a celebração de convênios com tais entidades deve ser conduzida de forma pública, objetiva e impessoal. Trata-se de uma grande conquista, que aponta para o aprimoramento do Terceiro Setor e das políticas de saúde no país.

CELEBRAÇÃO DE PARCERIAS

Parceria. Essa é a palavra-chave para o gerenciamento de unidades públicas de saúde por OS. Uma parceria é um arranjo em que duas ou mais partes estabelecem um acordo de cooperação para atingir interesses comuns. O Estado deseja cumprir com a sua obrigação de atender à população.

As OS, que não têm fins econômicos, pretendem atingir o objetivo de sua própria existência em servir ao próximo – vale lembrar que as organizações sociais de saúde (OSS) têm origem em instituições filantrópicas ou sem finalidades lucrativas, tais como as unidades das Santas Casas.

Mais de 200 municípios de 23 estados atualmente têm OSS. Em parceria com o poder público, as OS têm contribuído de modo decisivo para melhorar a atenção à saúde da população.

Um estudo recente da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo em 43 hospitais gerais mostrou que os serviços geridos em parceria com as OSS apresentam relação custo × benefício superior em comparação aos que estão sob administração direta. A pesquisa constatou que as OSS conseguem ser até 52% mais produtivas e 32% mais baratas, pois contam com mais autonomia administrativa para gerenciar recursos humanos e adquirir medicamentos, insumos e outros materiais, uma vez que não são regidas pela mesma legislação que os hospitais administrados diretamente.

A maior diferença de produtividade foi constatada em relação ao número de cirurgias ambulatoriais e hospitalares por sala, que nas OSS atingiu 1.291, contra 850 nos hospitais sob administração direta. As OSS também tiveram desempenho médio 13% superior no índice de ocupação hospitalar, além de registrarem tempo médio de permanência 11,8% inferior, em dias, dos pacientes internados, o que indica melhor eficiência dos tratamentos. A taxa média de cesáreas nos hospitais sob o modelo de OSS foi 16% inferior.

A despesa média com internações por paciente foi de R$ 7,4 mil nas OSS contra R$ 10,9 mil nas demais unidades, o que resulta em diferença de 32%. Isso significa que tais organizações conseguem atender aproximadamente a três pacientes com o mesmo valor gasto para atender a duas pessoas nas unidades sob administração direta. Além disso, o gasto médio por paciente/dia nos serviços das OSS foi 23% inferior (R$ 1,24 mil contra R$ 1,6 mil), e as despesas médias anuais, 15% menores (R$ 379,2 mil contra R$ 445,9 mil).

O que preocupa em relação às OSS é que houve crescimento desordenado. A maioria dos estados e municípios que celebram contratos de gestão não sabe o que está fazendo. Geralmente se trata de uma decisão política sem sustentação na estrutura administrativa ou na equipe técnica. Não basta celebrar o contrato; é preciso garantir que ele seja cumprido.

O gestor público contratante deve desenvolver a capacidade de pactuar e monitorar a sua execução, o que requer habilidades nem sempre presentes na gestão pública de saúde. O Tribunal de Contas da União (TCU) tem chamado a atenção para o risco de desvios e desperdícios de recursos públicos.

Do lado das entidades privadas, há aquelas que não têm a dimensão da responsabilidade de assumir a gerência de uma unidade pública de saúde. Muitas vezes, atendem a um convite sem ter condições técnicas nem administrativas para dar conta do desafio que vão enfrentar. E, infelizmente, como em qualquer setor, existem entidades de seriedade duvidosa que podem levar a resultados desastrosos em uma parceria com o poder público.

Em 2015, criamos o Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (IBROSS) com a finalidade de difundir as boas práticas de gestão e colaborar para o aperfeiçoamento das normas estabelecidas para a parceria entre as organizações, estados e municípios. Com 20 instituições associadas, que atuam em 13 estados brasileiros e empregam 95 mil pessoas, o IBROSS está iniciando um programa para conceder selos de acreditação que busca avaliar os principais aspectos das OS no campo da transparência e responsabilidade na gestão dos recursos públicos.

O processo está sendo desenvolvido pelo Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA), associado da Joint Commission International, líder mundial em certificação de organizações de saúde desde 1998. Para isso, o CBA criou um manual de acreditação com critérios e padrões técnicos que serão utilizados para avaliar e qualificar os serviços prestados aos pacientes, a capacitação de colaboradores, a administração dos recursos financeiros e os resultados.

Muitos estados e municípios utilizam, com excelentes resultados, contratos com OSS para o gerenciamento de hospitais, ambulatórios de especialidades, laboratórios e unidades de pronto-atendimento. No entanto, ainda existe um longo caminho a ser percorrido pela gestão pública e pelas OS no desenvolvimento das capacidades necessárias à celebração de parcerias consistentes e produtivas. O modelo das OSS é o melhor que existe hoje, mas não é uma solução mágica.

PARA SABER MAIS:
– Luiz Roberto Barradas Barata e José Dinio Vaz Mendes. Organizações de saúde: a
experiência exitosa de gestão pública de saúde do Estado de São Paulo. Revista de
Administração em Saúde, vol. 8, n. 31, 2006.
– Nivaldo Carneiro Junior. O setor público não-estatal: as organizações sociais como
possibilidades e limites na gestão pública da saúde. Tese, Faculdade de Medicina,
Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2002.
– Rita de Cássia Rodrigues, Olímpio José Nogueira Viana Bittar, Adriana Magalhães e José
Dinio Vaz Mendes. Rede hospitalar estadual: resultados da administração direta e das
organizações sociais. Revista de Administração em Saúde, vol. 16, n. 65, 2014.
– Edward W. Rogers e Patrick M. Wright. Measuring organizational performance in strategic
human resource management: looking beyond the Lamppost. Cornell University, 1998.
– Gerard M. La Forgia e Bernard F. Couttolenc. Desempenho hospitalar no Brasil – em busca
da excelência, 2008.

 

RENILSON REHEM > Médico e Presidente do Instituto Brasileiro de Organizações
Sociais de Saúde (IBROSS) > renilson.rehem@gmail.com

Artigo publicado originalmente na Revista GV Executivo – Especial Saúde

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